Linhares – A Comunidade Areal reuniu-se em mutirão para a construção de uma oca, um campo de vôlei e um parquinho. A ação começou na quinta-feira, quando uma caravana da comunidade judaica, formada por 32 judeus, chegou à região para executar um projeto de ação social e aprendizagem.
- Por Angela Maria
Tudo começou com uma reunião onde os moradores manifestaram o desejo por um espaço de interação e lazer. O Empreendedor Social Marcelo Vilela, articulador do projeto, foi o canal de comunicação entre os moradores e a Comunidade Judaica – WUPJ – World Union for Progressive Judaism. Com o projeto aprovado pela WUPJ, iniciou-se a busca por outras parcerias, apoio técnico, recursos humanos e materiais para a execução.

Uma das parcerias bem sucedidas, foi com um grupo de 18 estudantes de arquitetura, vindos do IFES Colatina, da UFES e da UVV, interessados em vivenciar uma atividade extra-curricular de ação e imersão. Esse interesse veio de encontro à necessidade do projeto, inclusive, da construção da oca que é o espaço onde os moradores poderão reunir-se para assistir futebol de areia, vôlei e observar as crianças no parquinho.
Trabalho em equipe
A comunidade executou as etapas iniciais e o trabalho intensificou-se nos últimos 4 dias com a chegada dos judeus e os estudantes de arquitetura. Todos contribuíram conforme suas forças e habilidades, até as crianças não perderam a oportunidade de colorir com tinta pneus reciclados, paredes e cercadinhos de madeira. Para o líder comunitário cacique José Barcelos, a satisfação estava em “ver todos, como formiguinha, trabalhando”. Sentimento confirmado pelo estudante de arquitetura Aquila Vasconcellos “o trabalho nunca foi exaustivo, teve piada, teve contato”.
A inauguração aconteceu na oca, domingo, 3, reunindo todos os voluntários e a comunidade. Na oportunidade, a diretora executiva da WUPJ – Karin Zingerevitz enfatizou “a reponsabilidade que devemos ter uns pelos outros, pois estamos juntos pelo Brasil, ajudando e sendo ajudados, não há nada mais judaico que isso”.
Greve dos caminhoneiros: um desafio
As atividades do projeto estavam em dia até o início da greve dos caminhoneiros que, de certa forma, parou o Brasil. Com a falta de combustível nos postos de gasolina, houve atraso na entrega dos materiais, gerando a necessidade imediata de adequação de todas as estruturas planejadas para construção.
Outra dificuldade enfrentada foi a ausência de supermercado, restaurantes e pousadas para acomodação dos voluntários na comunidade. A solução foi hospedá-los em Regência e transportá-los, todos os dias, em ônibus fretado, pois a comunidade também não dispõe de transporte público.
Marcelo Vilela acredita que, além das estruturas físicas, a comunidade recebeu “a mensagem de que apesar do descaso da prefeitura e da empresa que causou o desastre ambiental, ela não foi esquecida e faremos o possível para ajudar a comunidade a se restabelecer e melhorar”.
Mensagem confirmada pela artesã e nativa Dona Ziza de Oliveira Alves “é uma alegria, pois nunca tivemos lazer aqui. Através do Marcelo e dos judeus temos um lazer para as crianças, nunca tivemos quem se importasse conosco. Hoje, nossa comunidade brilha. Somos felizes. Ontem, fui dormir às 23 horas e as crianças ainda estavam brincando no parque”.
O mutirão gerou um laço entre a comunidade e os voluntários que já estão convidados pelo professor Rômulo Barcelos Rosa a “voltarem não para trabalhar, mas para conhecer o patrimônio natural, a mata atlântica e a calha do Rio Doce”. Convite aceito pelos estudantes que desejam que “o vínculo com a comunidade perdure após o evento, pois, foi enriquecedor não só de forma acadêmica, mas como cidadã e ser humano”, declarou a estudante Luiza Mattos.
Os alunos registraram a experiência em vídeo e compartilharam na plataforma youtube com o título “Ação Comunitária em Areal, Linhares-ES. (2018)”. Disponível em: https://youtu.be/E8BhnYQbVic
Areal vivia da pesca e da agricultura até ser devastada pela lama de rejeitos de minérios da Samarco em 2015. Antes de sofrer o maior crime ambiental, a região já vinha sendo duramente agredida com a exploração terrestre de petróleo e gás, tendo suas ruas contornadas por dutos de petróleo da Petrobras.
Centenária, a vila é formada por descendentes da tribo dos Botocudos. Esquecida pelo poder público municipal, Areal não tem posto de saúde ou policial, saneamento básico e transporte público. O único aparelho público é uma escola com turmas até o 5° ano. Para terminar o ensino fundamental, suas crianças deslocam-se, por 9 km, até a Vila de Regência Augusta e, para cursar o nível médio, viajam 50 quilômetros até Linhares. A necessidade deste investimento diário de dinheiro, tempo e energia promove desistência e evasão escolar, tornando o ensino superior um sonho distante.
Apesar desta conjuntura, Areal é habitado por pessoas carismáticas, acolhedoras, sonhadoras, que vem lutando e se reerguendo para o reconhecimento de sua cultura e registro de sua identidade indígena, mostrando ao município a sua existência.