O complexo lacustre de Linhares, o segundo maior do Brasil, e responsável pelo abastecimento de água da população local, já apresenta claros sinais de danos à sua biodiversidade, mas não há sequer um estudo publicado ainda sobre o assunto no âmbito das Câmaras Técnicas do Comitê Interfederativo (CIF) – instância que fiscaliza as ações de reparação e compensação dos danos advindos do crime cometido pela Samarco/Vale-BHP em cinco de novembro de 2015.
A afirmação é do biólogo Vinícius Andrade Lopes, do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Iema), líder da equipe de Biodiversidade do Grupo Técnico de Enfrentamento da Crise Ambiental do Doce (GTECAD) do governo estadual.
“Não temos dados ainda sobre as lagoas”, diz, ressalvando apenas um estudo do Programa de Monitoramento Quali-Quantitativo Sistemático (PMQQS) da Câmara Técnica da Qualidade de Água do CIF, que está sendo feito, mas ainda não chegou ao GTECAD.
Mesmo sem dados científicos, Vinícius vê indicativos consistentes dos danos que estão sendo infringidos à biodiversidade das lagoas. O primeiro, destaca, é no fluxo gênico, pois as lagoas são o principal criadouro dos peixes que povoam o Rio Doce. “Eles saem do rio para procriarem nas lagoas e depois voltam pro Doce. Mas esse fluxo foi interrompido com o barramento no Rio Pequeno e a empresa não construiu nenhum mecanismo de transposição ou escada para os peixes”, explica.
O rio, “que estava impactado pelo desastre em si, agora tem mais uma dificuldade pra retomar sua população de peixes”, diz.
Na ausência de estudos técnicos e científicos, os pescadores atestam os danos, tendo falado sobre eles em depoimentos na Assembleia Legislativa, na Semana de Proteção ao Rio Doce, realizada entre essa segunda e quinta-feira (18 a 21). “Eles disseram terem percebido grande redução do pescado nas lagoas”, conta Vinícius, que também palestrou no evento.
Agrotóxicos, esgoto, oxigênio
Outro grande dano, ainda não mensurado, é com a qualidade da água. Ao redor das lagoas há atividades agrícolas e florestais. As primeiras lançam agrotóxicos nas águas do complexo lacustre, que não estão mais tendo vazão, ficando acumulados.
E as florestas estão sendo inundadas, visto que o represamento tem provocado aumento no nível da água e alagado, nos últimos três anos, bairros e propriedades rurais não só em Linhares, mas também em Sooretama. “São florestas que não suportam tanta água e morrem”, conta o líder do GTECAD.
Há ainda os esgotos, que são lançados in natura nos córregos que chegam às lagoas e nas próprias, diretamente, fazendo aumentar a quantidade de matéria orgânica e de plantas aquáticas, reduzindo consequentemente o nível de oxigênio.
“A própria Renova já disse que está havendo mortandade de peixes por baixo oxigênio e elevada matéria orgânica”, relata.
Cronologia das postergações
O barramento no Rio Pequeno foi construído por força judicial em novembro de 2015, para impedir o contato das lagoas com a lama tóxica da Samarco/Vale-BHP, lançada sobre o Rio Doce. O objetivo foi garantir a água que abastece a população linharense.
Feita de forma provisória e emergencial, o primeiro barramento deveria ser substituído por outro, determinação que ainda não foi cumprida pelas empresas criminosas.
Em 2017, o Município de Linhares impetrou uma ação – nº: 00170450620158080030 – exigindo a execução das obras definitivas. Em novembro do mesmo ano, o Município recebeu liminar favorável ao pleito, decisão que foi contestada pela empresa.
Em abril de 2018, ao julgar o recurso da empresa, o juiz Thiago Albani Oliveira Galvêas, da Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos e Meio Ambiente da Comarca de Linhares, novamente acatou o pedido do Município, estabelecendo prazo até o dia 31 de outubro para execução das obras, sob pena de multa.
Em sua sentença, o magistrado afirma que “É incontroverso que, em determinadas épocas, as barragens devem ficar fechadas, seja para se evitar o ingresso das águas supostamente contaminadas do Rio Doce, ou a saída de águas das Lagoas em período de secas, como medida mitigatória. Outrossim, também é incontroverso, que em determinados períodos o curso de água deve ficar aberto, seja para entrar a água do Rio Doce quando comprovadamente isenta de sedimentos nocivos, como pode ocorrer em épocas em que não há cheias e elevação dos materiais sedimentados, ou mesmo para escoar naturalmente a água represada nas lagoas, fazendo com que a natureza siga seu curso e ciclo naturais.
Cinco meses depois, em setembro, diante da inércia da Samarco/Vale-BHP e no descumprimento da determinação de concluir as obras até 31 de outubro, Thiago Albani Oliveira Galvêas decidiu multar a empresa em R$ 10 milhões, sentença que foi derrubada dias depois pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Em novembro ainda em 2018, em audiência realizada no Fórum de Linhares, foi decidido que as obras definitivas só seriam iniciadas em abril de 2019, passado o período de chuvas. Mais um prazo, portanto, está próximo de vencer no desenrolar do maior crime ambiental do país e o maior da mineração mundial, cometidas pelas duas maiores mineradoras do planeta.
Nesta segunda-feira (18), o MPES notificou a Samarco e a Renova devido à decisão de remover novamente as 29 famílias que haviam conseguido retornar à avenida beira-rio de Linhares. Na notificação, a promotora Mônica Bermudes disse que a decisão de remoção foi unilateral, tomada pela Samarco e Renova, com base em um estudo técnico contratado por elas, sem ouvir o MPES e sem embasamento em avaliações da Aecom, escritório contratado no âmbito de um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) firmado em junho de 2018 com o MPES.