Era o quarto dia da semana, madrugada, o telefone tocava, por diversas vezes, equando atendia um silêncio insano era inaugurado. Porém, por volta da décima terceira ligação, retribuí a mudez por alguns segundos e uma voz surgiu: “aqui é Nato filho de Mnemosine que era filha de Urano com Gaia e…”. Interrompi o delírio afirmando que não tinha interesse em mitologia naquela hora da madrugada. Nato, porém, sussurrou que era o guardião da Memória de tudo aquilo que fora visto, ouvido, falado, sentido e imaginado. Não sei por que e quem Nato foi enviado, mas se tem uma coisa que muito me interessa é a memória.
Conversamos por intermináveis minutos, porque o filho de Mnemosine tem tanta coisa guardada que sua cabeça é semelhante a Amazônia – as zonas desmatadas são os golpes políticos sociais, os sonhos desistidos, os amores sepultados, os amores não amados, além das semanas de provas onde há um aumento nos antidepressivos e cachaça – Nato é um cara cabeça.
Curiosamente, indaguei ao Nato quais os efeitos da memória de algo ou alguma coisa – tipo as zonas desmatadas da Amazônia – em é evidente o cansaço, a tristeza e a agonia diante das recordações. Quem se alegra ao recordar uma perda com requintes de maldade? Quem se alegra ao rememorar um governo que açoita e mata?
Quem se alegra ao saber que ontem não tinha feijão no prato do irmão? Quem se contenta pelo amor que partiu sem despedida? Quem se alegra diante das duras recordações?
Foi nesse momento que Nato confessou um dos motivos da ligação: “a memória, bom amigo, personificada por minha mãe, detalhada por seus amigos filósofos e investigada pela ciência, essa mesmo serve para manter vivo o que amado morreu, serve para tornar justo o injusto que reinou, serve para doar a quem foi assaltado e beijar quem fora golpeado no peito”.
O filho de Mnemosine parecia emocionado e meio sem graça. Eu lhe confessei também que não tinha fé suficiente para acreditar em filhode deuses, em deuses e, por isso, a conversa poderia ser encerrada porque estava apenas querendo ser gentil. Ele, no entanto, de súbito respondeu: “Não precisa ter fé.
Não precisa acreditar em mim nem no Olimpo. Basta, bom amigo, não perder o que nopeito vela e guarda. Adeus”.
Lá se foi a memória que tanto insistiu em falar comigo. Agradável, inteligente e provocativo. Nato foi simpático e brincalhão para falar daquilo que guarda. Mas desde de quinta-feira não sei o que é porre de catuaba.
- Pablo Castro