O acesso a alimentos de qualidade e produzidos de forma sustentável é um dos maiores desafios da agricultura na atualidade. Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
A Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa, ao longo de 2016, realizou vários debates sobre as alternativas de produção agrícola, dando ênfase à agricultura familiar, aos produtos orgânicos, à agroecologia e ao combate ao uso exacerbado de agroquímicos.
No primeiro semestre, em abril, o colegiado recebeu o gerente de agroecologia da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag), Aureliano Nogueira da Costa. O engenheiro agrônomo apresentou as ações e desafios para o fortalecimento da agricultura orgânica no Espírito Santo.
Entre os pontos classificados por ele como primordiais estavam os editais de pesquisa promovidos pelo Estado que reservaram recursos específicos para a produção orgânica, visando gerar tecnologia para os agricultores familiares, e o investimento em certificações para que o produto chegue com qualidade ao consumidor final.
O gerente também destacou a abertura de canais de comercialização, como as feiras de orgânicos realizadas dentro de centros comerciais. A presidente da comissão, deputada Janete de Sá (PMN), afirmou à época que o investimento na agricultura orgânica oferece produtos de qualidade ao consumidor, livres de defensivos agrícolas, e representa mais uma opção de consumo para a sociedade.
Políticas federais
No fim de 2016, em novembro, Aureliano Nogueira retornou à Casa em outra função, como delegado federal da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário – antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – vinculada à Casa Civil da Presidência da República.
Ele falou sobre as dificuldades burocráticas geradas pela mudança de status do MDA, que caiu de ministério para secretaria especial. Mas também se mostrou otimista com as políticas federais voltadas para o setor, principalmente com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que oferece linhas de crédito para os produtores. O Pronaf é o carro-chefe de todas as outras políticas públicas destinadas à agricultura familiar.
R$ 1 bilhão
O assunto voltou à tona na reunião seguinte, que contou com a presença do gerente de Agricultura Familiar da Seag, Luiz Carlos Leonardi Bricalli. O engenheiro agrônomo destacou que a agricultura familiar capixaba recebeu, em 2016, um investimento de quase R$ 1bi. Os recursos são provenientes de políticas estaduais e federais, como a assistência técnica e extensão rural (Ater), o Pronaf, o Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar (Funsaf) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Segundo os dados apresentados, 33 mil agricultores familiares foram atendidos, em 2016, pelas políticas de Ater desenvolvidas pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). Além disso, sete assentamentos de reforma agrária foram atendidos pelo Funsaf; e 13 cooperativas, quatro associações, 2,4 mil agricultores, 246 escolas e 21 municípios foram contemplados pelo Pnae.
O que é agricultura familiar
De acordo com a Lei Federal 11.326/2006, é considerado agricultor familiar aquele que pratica atividades em propriedades de até quatro módulos fiscais utilizando, predominantemente, mão de obra da própria família, com renda familiar que provém predominantemente da atividade e responsável pela gestão de seu próprio estabelecimento. Encaixam-se na categoria, por exemplo, os indígenas, os quilombolas e os assentados da reforma agrária.
No Espírito Santo, segundo dados apresentados por Bricalli, são 94 assentamentos de reforma agrária, com 4.228 famílias; 10 aldeias indígenas, com 1.062 famílias; 43 comunidades quilombolas, com 4.351 famílias; 17 acampamentos, com 977 famílias; e mais de 12 mil famílias de pescadores artesanais. No total, são 67 mil estabelecimentos familiares, que correspondem a 80% dos estabelecimentos agrícolas capixabas, mas que ocupam apenas 36% da área.
Segundo o agrônomo, mesmo ocupando menos área, o setor é responsável por 44% da produção bruta de toda a agropecuária e por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos capixabas, além de 64% dos postos de trabalho no campo.
Todos os dados apresentados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2006. Segundo Bricalli, um novo censo agropecuário deveria ter sido realizado em 2016, mas não foi feito.
Desafios do setor
Luiz Carlos Bricalli finalizou sua apresentação destacando os principais desafios para os próximos anos, como infraestrutura social básica (moradia, fossa séptica, saneamento básico); organização rural (associações, cooperativas, sindicatos); sustentabilidade (agroecologia); tecnologias apropriadas; educação do campo; lazer; canais de comercialização; assistência técnica; e crédito rural.
“Precisamos produzir de forma sustentável. Passamos por uma grave crise hídrica. O monocultivo, os defensivos agroquímicos, esse modelo está esgotado”, destacou. O deputado Padre Honório (PT) ressaltou, na ocasião, a importância da agricultura familiar: “A agricultura familiar promove a vida. Nós precisamos valorizar isso. Se o Estado quer ser forte, precisa pensar na pesquisa nessa área”, disse.
Outro desafio é o próprio governo enxergar a agricultura familiar com outro olhar. Em outubro de 2016, o secretário de Estado da Agricultura, Octaciano Neto, disse que 80% da agricultura familiar capixaba seria “inviável economicamente”. Logicamente, o comentário repercutiu negativamente entre as entidades representantes do setor, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e até mesmo entre os servidores do Incaper, autarquia vinculada à Seag.
Agrotóxicos
Ao longo de 2016, a Comissão de Agricultura também debateu sobre o uso excessivo de agrotóxicos na produção agrícola. Destaque para a audiência pública realizada em dezembro sobre segurança alimentar e sobre os prós e contras da pulverização aérea. O debate foi promovido em conjunto com a Comissão de Assistência Social, Segurança Alimentar e Nutricional.
O debate foi em torno do Projeto de Lei 31/2016, de iniciativa do deputado Padre Honório (PT), que proíbe esse tipo de pulverização em espaço capixaba, punindo o infrator com multa. O professor universitário e engenheiro agrônomo Tomaz Langenbach, que atua no Rio de Janeiro, vê a iniciativa como positiva.
Segundo ele, como é aplicado do alto, o produto pode cair em terrenos vizinhos, promovendo contaminação. Já Felipe Sepulcri Diniz, engenheiro agrônomo da AeroVerde, única empresa de aviação agrícola que atua no Estado, defendeu a técnica. Segundo o agrônomo, as aplicações de defensivos feitas manualmente, por meio de trator ou irrigação, seriam menos eficientes.
Vale lembrar que o Brasil, segundo pesquisa da USP, é o maior consumidor de defensivos agrícolas do mundo. Cada brasileiro ingere, em média, 5 litros de agrotóxicos por ano.
Titina Cardoso/Web Ales